VIGILÂNCIA
Estamos chegando em Cascata, na dobrada da curva se enxerga a rótula, onde um lado é cascata e outro cascatinha.
Impressiona as curvas, subidas e descidas, algumas longas que não nota-se com facilidade e outras que mais parecem elevadores.
O fato que de um lado e de outro ter encosta ou descidas enormes que, torna qualquer descuido um acidente fatal.
Claro que hoje em dia a estrada esta alargada e asfaltada isso na rodovia, mas dentro das vilas é um problemão.
Morro dos dois lados da pista, que alem de estreita, esburacada, escura, muitas curvas fechadas.
Perigo, principalmente para quem anda com esses carrões em alta velocidade.
Observa-se também a título de comentário a quantidade de casas, mansões que foram erguidas abaixo de morros, perto das estradas.
Não temos no sul problemas de enxurradas, mas no verão as chuvas são de maneira diferente.
Sempre localizadas, curtas, porém pesadas.
Muita água em poucas horas, em terreno de morro, ao lado de estrada e casas é desastre na certa.
O sol já começa a se esconder e é hora de escolher o local para acampar.
Amanhã cedinho empreendemos jornada rumo ao destino.
Com calma e descansados.
Os cavalos já começam a dar sinal de estafa, mais um motivo para acampar.
Estamos a dois quilômetros da chácara são Miguel. Escolhemos um pedaço de chão com água, árvore e claro um terreno seco e mais elevado do quarteirão.
Onofre chamou uns piás e foram juntar lenha seca para fogueira, pois embora esteja quente precisa de uma boa fumaça para espantar qualquer musquito teimoso.
As carroças fizeram um semi-círculo deixando um espaço aberto.
Com o acampamento em um formato de ferradura começamos a soltar os cavalos, montar barraca.
Limpar os carroções, aproveitando a claridade do final de tarde.
Em breve, muito breve a lua companheira dos andarilhos estará com sua pujança clareando nossas melenas.
Chinóca e Getúlio estão escalados para a janta.
Arroz de carreteiro com charque de ovelha. Ensopado de espinhaço de ovelha com batata inglesa.
Não esqueci não, tchê...vinho bordô.
Gilfredo começo tocar sua viola. Alguns que já haviam cumprido suas tarefas se sentaram na grama ao redor do "gritador".
Fiquei um pouco afastado, recompondo o pensamento.
Recebera uma missiva de um irmão que estava acampado no Laranjal, e que iria para Santa Maria 'despois'.
Se quechava de Deus e de tudo. Nem Sara Kali escapou.
São Pedro dono dos caminhos, bem, quase escomungado.
Podia ver ele gritando em romanês e cuspindo saliva preta do seu fumo de rolo...
Um carro fumacento se aproxima e cria alvoroço na gurizada.
Não identifiquei a figura mas o irmão de ronda já lhe mostrou as ferramentas.
Mas é da casa pois o comprimento foi feito.
O irmão de ronda de hoje não poderia ser melhor qualificado como ronda.
Ele Horácio é uma vibração de ogun XOROQUÊ, senhor das mirongas, da magia, dos grandes feitiços e principalmente grande protetor das áreas a ele entregue.
Criado que foi para proteger a alta magia e seus fenômenos.
Ogun Xoroquê.
Entidade que se apresenta em duas formas bem distintas.
Como Ogun e outra como Exu.
Em ambas as manifestações possui grande força magnética, magia, grande rei.
Como Exu pode trabalhar na resolução de problemas de outras entidades, mas mesmo assim estando na linha de energia de outros orixás ele não perde a mandala de Ogun.
Não se desvincula de sua origem dual. Ogun-Exu.
Entidade com gosto excêntrico.
Come sempre na primeira e última terça -feira.
Seus serviços de demanda são nas quintas com lua minguante.
Dentro do peji é mais flexível, pois a sua postura é a de quem o criou.
Segundo a tradição afro-brasileira, Ogum foi o segundo filho de Iemanjá e Oxalá, devido a isso, ligou-se por uma grande amizade ao irmão mais velho, Exú, que lhe era mais próximo do que os demais irmãos.
Aventureiros, os dois andavam sempre juntos.
Seus interesses e habilidades eram muito semelhantes: donos das estradas do mundo, enquanto Exú dominava as encruzilhadas, Ogum mandava nas retas dos caminhos.
O desbravamento de novos espaços, a abertura de passagens e a luta contra os inimigos constituíam sua vida.
Talvez essa grande união e afinidade explique a existência de uma entidade que reúne as características dos dois Orixás:
Exú-Ogum é um Ogum feroz e briguento, tão bravio que termina por torna-se um Exú.
Em iorubá, xoro + ké significa gritar ferozmente ou cortar cruelmente.
Entretanto, diferente dos demais Exús, este tem duas características únicas: em primeiro lugar, verifica-se que, embora seja da mesma raiz que Ogum, ele assume uma causa como se fosse somente sua, quando outra entidade o requisita, resolvendo o problema por conta própria, e não como mensageiro do Orixá; em segundo lugar, e mais importante, verifica-se que, durante parte do ano, este Exú torna-se o próprio Orixá a que é ligado.
No Candomblé da Nação de Angola, esta entidade é um Boiadeiro.
Chama-se Caboclo Xoroquê - metade caboclo, metade Exú , característica que o torna mais arrojado que os demais Caboclos no momento de resolver os casos que lhe são entregues.
No Brasil, o Senhor Xoroquê, como a entidade é respeitosamente chamada, apresenta-se alternadamente sob duas formas: durante seis meses do ano, é um Ogum, durante os outros seis meses, é um Exú. Porém estes seis meses não são exatamente o primeiro ou segundo semestre e sim dias alternados. Ou seja, o filho de Ogum Xoroquê sente em seu organismo quando Exú esta aflorado ou o Ogum.
Somente o filho deste Órixa sabe desta mudança.
Um dos motivos dos filhos deste órixa serem considerados irresponsáveis, pois ninguém nunca sabe o que ele vai fazer, esta pensando são muito imprevisíveis, nem eles sabem qual vai ser a atitude diante de uma situação.
Por isso as pessoas tem que ter muita paciência com os filhos de Ogum Xoroquê .
Os Zeladores de Santo quando tem um filho deste Órixa sabe que este filho será aquele que sempre ele pode contar e sempre sabe que de vez em quando some do "barracão", mas sempre volta.
Os Zeladores já estão tão acostumado com as atitudes destes filhos que os outros Yaôs do "barracão" acham que estes filhos são os protegidos. Mas não. É que Ogum Xoroquê esta sempre a flor da pele e os filhos agem de forma muito parecida do Órixa. Resumindo, os filhos de Ogun Xoroquê são problemáticos.
Porém quando Ogum Xoroquê "quizila" com um filho dele. É muito díficil conseguir "agô".
Este filho apanha por um período de sete anos, quatorze e ou vinte um anos.
Portanto todo o cuidado é pouco. Os filhos de Ogum Xoroquê quando apanham de seu pai, apanham de uma forma muito rude em relação aos outros Órixas. Ogum Xoroquê só atende aos pedidos feitos por Iemanja ou Xapanã. Por tanto se você é "raspado e catulado" para este Orixá, tome muito cuidado. Não vacile, pois ele te dá quase tudo e toma de você inclusive aquilo que ele não te deu.
Os filhos de Ogum Xoroquê consegue tudo com muita facilidade, isto quando esta em dia com seu orixá.
Por esses motivos disse que Horácio era a energia do "homem'.
Mas deixemos de devaneio e voltamos a realidade.
O paisano, deixou seu carro adiante e veio em minha direção, rodeado, saudado pelos pequenos.
Quando eu o reconheci o saudei "sastisfeito"... Caldeira, o irmão que escrevera a missiva veio a meu encontro, nem me deu tempo de ler.
Melhor assim. Olho no olho.
Caldeira fez breves relatos sobre a situação, e principalmente de suas preocupações.
Sempre quando chega alguém de outra "casa" a aglomeração é imediata.
Não sendo assunto segredo, a conversa flui para todos.
O vinho bordô já se fazia sentir nos lábios, a música ao longe e o cheiro do cozido.... melhor deixar para lá... vou falar cuspindo de tanta água na boca.
O tempo esta passando de maneira acelerada, branquiando nossos cabelos, diminuindo cabelos de outros, mulheres gastando tinta para tingi-los.
Rugas e varizes incontáveis como a celulite no balneário argentino.
Mas Deus escreve certo, por linhas tortas... assim diz o ditado.
Muitas vezes não compreendemos muito bem Seus desígnios, questionamos, choramos, ficamos tristes ou indignados.
Buscamos culpados.
Esquecemos da lei da causa e do efeito.
Lei que atinge a todos, ricos, pobres, brancos, pardos, ciganos, judeus, arianos.
Analisando nossa caminhada nesta existência, encontramos provas de Sua sabedoria, aquela sabedoria que é muito maior que a nossa.
Aquela sabedoria que nos ensina a andar e a trilhar novos caminhos nos conduzindo a novos horizontes, a novos amores, a novos amigos, a novos destinos.
Deus é tão poderoso que quando pensamos estar desamparados, na verdade, Ele nos está carregando nos braços.
Cada vez mais podemos aprender, a cada dia que passa devemos nos render, abaixar nossa cabeça em sinal de reconhecimento.
Caldeira se preocupa em demasia com a segurança da sua família.
Natural que assim o seja, pois ele é um Ossaim, que coloca a família em primeiro lugar, alimentação, proteção, cultura.
Não necessariamente nessa ordem. Mas com certeza são suas prioridades.
As escolhas tem que serem feitas e a ferramenta para decidir seja o que for chama-se:
Livre arbítrio.
É o que temos. É o que muitas vezes não entendemos ou não sabemos usá-lo.
Rica é a pessoa que sabe compreender e tê-lo de forma verdadeira e honesta.
Podemos sentir paz ao pensar nisso, em abrir nossos braços para receber um amigo ou uma amiga, um amor ou um novo desafio de vida, uma nova tarefa, um novo caminho.
O nosso desejo sincero e pedido implorado é que Deus nos ensine cada vez mais, que nos mostre onde erramos, onde acertamos, onde devemos ir, quem devemos abraçar, quem devemos amar, quem devemos ajudar, a quem devemos ter piedade e a quem devemos ter compaixão.
Abaixemos nossa cabeça quantas vezes forem necessárias para que possamos aprender.
Estão chamando para a janta.
Tirei o agô, e a farra do estômago começou.
Já passava das 23 horas e todos despertos em grande prosa, aqui e acolá.
Meu grupo formado por 17 pessoas estávamos trocando idéias sobre Ogun Xoroquê.
E como sempre pediram uma histórinha,aquelas que usamos para definir situações de jogo de búzios, temperamento etc.
As lendas dos orixás são fundamentais para o melhor discernimento da religião e entendimento de cada orixá.
...Uma vez ao voltar de uma caçada Ogun Xoroquê. não encontrou vinho de palma pois estava com muita sede, e zangou-se de tal maneira que irado subiu a um monte ou montanha e Xoroquê gritou ferozmente, cruelmente do alto da montanha ou monte, cobrindo-se de sangue e fogo e vestiu-se somente com o mariwo, esse Ogum furioso chamado agora de Xoroquê, foi para longe para outros reinos, para as terras dos Ibos, para o Daomé, ate para o lado dos Ashantis, sempre furioso, Guerreando, lutando, invadindo e conquistando. Com um comportamento raivoso que muitos chegaram a pensar tratar-se de Exu zangado por não ter recebido suas oferendas ou que ele tivesse se transformado num Exu talvez seja por isso que chegue a ser tratado como sendo metade exu por muitos do candomblé. Antes que ele chegasse a Ire, um Oluwo que vivia lá recomendou aos habitantes que oferecessem a Xoroquê, um Aja (cachorro), Exu (inhame), e muito vinho de palma, também recomendou que, com o corpo prostrado ao chão, em sinal de respeito recitassem o seus orikis, e tocadores tocassem em seu louvor.
Sendo assim todos fizeram o que lhes havia sido recomendado só que o Rei não seguiu os conselhos, e quando Xoroquê chegou foi logo matando o Rei, e antes que ele matasse a população Eles fizeram o recomendado e acalmaram Xoroquê, que se acalmou e se proclamou Rei de Ire sendo assim toda vez que Xoroquê se zanga ele sai para o mundo para guerrear e descontar sua ira chegando ate a ser considerado um Exu e quando retorna a Ire volta a sua característica de Ogum guerreiro e vitorioso Rei de Ire .
Claro que essa é apenas uma das muitas lendas desse Ogun, até por que existe feitura dele com Eguns, Exus e com Barás, a maneira de assentamento que já vimos deixa bem claro a versatilidade dessa entidade.
Cada casa tem uma maneira de criar, manter e por a trabalho suas entidades, e muitas dessas situações que se alteram são feitas por indicações das próprias entidades.
Lembro-me quando estava para resolver um problema grande e sem dinheiro para tal ele simplesmente chegou e pediu:
EBÓ ABRE CAMINHO E DESMANCHAR KIZILA.
MATERIAL :
-1 ESPIGA DE MILHO.
-MEL.
-FARINHA DE MANDIOCA.
-1 ALGUIDAR DE BARRO.
-7 RAMOS DE GUINÉ.
-3 VELAS VERMELHAS.
PROCEDIMENTO :
Solicitou que eu passasse a espiga de milho sem as folhas em uma farofa feita com farinha de mandioca e mel. A moda milanesa.
Colocasse no alguidar e cobrisse com as folhas de guiné.
Antes deveria passar as folhas como uma vassoura no corpo. Fazer um embrulho com papel de seda vermelho da farofa que sobrou e passar no corpo. Para descarregar kizila.
Levar o ebó a uma estrada que fosse cortada por estrada de ferro. Acender as velas em forma de triângulo.
Arriar com as folhas de guiné cobrindo o axé.
Retornar ali na próxima terça-feira e levar de presente a ele:
-1 garrafa de vidro de cachaça.
Esta garrafa deverá ser quebrada em sua honra.
Veja bem que uma entidade com tanta milonga faz pedidos as vezes inuzitado e de valor simbólico.
O normal para agradecer é salada completa,que com certeza se faz com gasto 40 vezes mais que o que ele solicitou.
Nem tudo que reluz é ouro mas que a maneira que se apresenta tem seu valor, tem.
O convidado não segue seu caminho hoje. Aproveita a pousada, descansa, até por que se beber não dirija.
Apaguem os lampiões e que Ogun faça sua ronda.
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