

PELA JANELA
Vinha pela estrada já um pouco debilitado pela caminhada.
Desejando o acalento da noite, a carícia do luar.
O sol fazia arder as costas nuas. Apesar do turbante de seda branca estar cobrindo a cabeça sentia a nuca arder ao simples tocar das brisa que, de quando em quando acariciava minha face, criando uma esperança de um frescor próximo, afinal já deveria ser quase 19 horas.
Entramos no atalho que dava acesso da estrada asfaltada para a rua principal da cidade de Piratini. Cidade farrapa.
Passo pelo colégio e sigo pela rua Tiradentes caminhando em direção ao final da rua.
Abre-se a cortina do passado.
Posso sentir o cheiro do suor dos cavalos.
Cheiro de criolina usada para desinfetar as estrebarias.
Arde nos olhos a fumaça preta dos lampiões á querosene, das velas de sebo, das lamparinas de azeite.
Guerreiros farrapos, de 1835 até hoje quantos de vocês nasceram e morreram cumprindo a lei do karma, sentindo ainda as marcas dos ideais de liberdade.
Quantos de vocês negros, que foram lanceiros destemidos que morreram na revolução acreditando na liberdade, na alforria.
Mas liberdade só receberam no desprendimento do espírito da carne sofrida. Sofrimento das duras batalhas, da imposições do frio, da fome e do cansaço.
O cheiro do éter se mistura ao da pólvora.
A dor e o sofrimento fazendo desmerecer um ideal perdido.
No final traído. Morfina, cachaça, fumo em rolo.
O tempo passa, o tempo voa...
Caminhante, é preciso na estrada da redenção andar apoiado pelos ensinamentos e atitudes espirituais, elevadas, altruístas e principalmente abalizadas pelo livre arbítrio.
Assim foi no passado e tem que ser agora.
Não interessa se o passado tem dois mil anos, dez milhões ou dois dias... o calendário com certeza é outro mas as regras que ditam o jogo são com certeza os mesmos.
As regras são as mesmas do passado e são também para todos os seres envolvidos.
Na espiritualidade não existe fóruns exclusivo.
Filho de fulano ou de ciclano. Existe sim regras a serem cumpridas, trabalho a ser executado.
Não importa quem assine.
Tem que ser feito e bem feito.
Não podemos nos acomodar na poltrona da indiferença a ouvir de longe os apelos da espiritualidade.
As marcas do sofrimento de milênios ainda fazem-se doer.
Espíritos que ainda tentam burlar as leis.
Entidades desencarnadas que negam a existência de conduta reguladora.
Me referi aos desencarnados por que os vejo em cada esquina.
Atirados.
Bêbados, debochados. Não importando com elevação mental.
Ainda aturdidos pelos ideais fanáticos.
Não apenas os ideais farrapos, por que muitos e muitos já travavam guerras ao longo de milênios, desde os tempos das cavernas e acreditavam e talvez acreditem que só conseguiram espaço a base de sangue e sofrimento alheios.
Muitos farrapos se confundem com vikings, homens das cavernas, nazistas, mojardeins.
Sim, são todos os mesmos ideais que os embalam, que os fazem ser, que ao longo da estrada na eternidade da vida não conseguem se desprenderem das mágoas, da escuridão, do sofrimento e da injustiça.
E o pior é que muitos estão encarnados dentre nós. Ainda fazem guerra, se não entre nações, povos, fazem entre famílias, entre pequenos grupos proliferando gangues.
Na cabeça de um amigo, de um desafeto reconhecido ou confundido.
E no mundo espiritual utilizam o artifício de serem apenas energia e favorecem com idéias e situações, os que pensam de maneira igual, obsediando, vampirizando os que tentam alcançar a luz maior.
Cada indivíduo deve ter cuidado com todos os orixás, mas principalmente com seu ORI, que é na realidade, ter cuidado com a própria cabeça.
Guia certo do nosso destino incerto.
O homem por tendência natural só olha para fora, buscando resposta longe do seu ser, do seu eu, esquecendo-se de voltar-se para si mesmo, onde sem dúvida, encontrará resposta das mais diversas.
A cabeça é na realidade o micro do macrocosmo no homem, o orí, a cabeça física, é o símbolo interior chamado orí inú, que é a essência do ser e controla a personalidade do indivíduo, guiando e ajudando desde antes do nascimento, durante a vida e após a morte.
Esta é então a centelha divina no humano.
O ancião está ao meu lado e observa com seus olhos quase opacos um canto da rua.
Não precisa de esforço para ver o que os olhos carnais não enchergam.
Parecia um hospital improvisado, já que a aparência era de um casarão. Dois andares bem distintos, embora dessem a idéia pela altura ter mais andares .
As janelas altas e largas deixavam ver vários rostos desfigurados e disformes.
Espectros, lentos, esbranquiçados e desfigurados.
Outros agitados, arredios, violentos.
Melancólica visão.
O zumbido de uma mosca varejeira traz a realidade e me faz pensar nos desgarrados na estrada da redenção, que por descuido, por insensatez afastam-se do ylê, onde esta o nosso ensejo maior de participação como aprendizes, colaboradores, trabalhadores, obreiros.
Fortalecer a mandala com a presença, engrandecê-la com seu trabalho.
Sublimá-lo com sua grandeza.
Devemos sempre fazer do ylê uma oficina, a escola, o templo, para que não tenha de ver nele um hospital, atormentado por males e frustrações que afligem os que não assumem o que aceitaram antes de reencarnar.
E quanto a nós, continuaremos nossa caminhada.
Hoje aqui. Amanhã...onde for preciso.
Bem, espero que todos caminhantes usem de seu livre arbítrio para definir o melhor caminho a seguir e com certeza estaremos sempre desejosos de que este caminho seja de Harmonia, Amor, Verdade e Justiça para todos os seres.
E-mail:rakaama@vetorial.net <==> Site: www.vetorialnet.com.br/~rakaama http://rakaama.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário