


E A CORUJA ME OLHANDO
Sem condições de precisar o horário, mas a madrugada estava acentuada.
De quando em vez o roncar de um motor de moto, provavelmente fazendo "pega", quebrava o silêncio, a monotonia da noite de lua cheia com muitas nuvens.
As ruas internas do cemitério totalmente as escuras, com o sinistro balançar das árvores, que copadas inibiam o lusco fusco da claridade de algumas lamparinas e o brilho da lua.
Os olhos de um gato se faz brilhar com a pupila dilatada a uns poucos metros de mim.
Com certeza a ratazana esta fazendo a festa a poucos metros, pois é nítido o grito do grupo.
Logo ao ter entrado pelo portão do seu Caveira, tive a certeza de que alguém havia saído em sentido a rua principal, mas não foi para o portão central.
Provável que tenha ficado a espreita, podendo ser o vigia ou algum ladrão de túmulo.
Com certeza macumbeiro não era.
Quando se esta trabalhando em um local e alguém chega, continuamos e o ultimo a chegar segue seu rumo, espera a vez, mas jamais sai de mansinho, com o "rabo" entre as pernas a moda cachorro que levou um pontapé do seu dono.
Adão não estava acostumado a entrar no cemitério a noite e embora seja filho de Bará ele tem uma determinada repulsa pelo local.
Não acredito que devesse adorar o ambiente, mas detestar..., bem, é exagero.
Tentei colocar as lembranças em ordem para encontrar o local desejado, mas a entrada pela lateral me deixou sem referências.
Aceitei a idéia da Ângela de Oiá que sugeriu, mas já se antecipando a caminhar antes do meu aceite, que deveríamos ir até a rua principal, a central, e até a entrada pois minhas lembranças davam conta que a caminhada iniciava na porta da igreja, que fica dentro do cemitério.
E assim foi. Exatamente como na minha casa, a última palavra entre eu e a minha mulher é eu dizendo sim senhora.
Com passos tranquilos buscando a harmonia com o ambiente, sintonizando com os ruídos, os buracos, as ciladas do local.
Cheguei ao portão principal saudei o que fica de fora seu Sete Cruzes, guardião da porta principal.
Saudei o dono da casa seu Omulu, saudei seu Bará, e comecei minha caminhada rumo ao objetivo.
Ao passar no primeiro túmulo preto a esquerda, como já havia feito anteriormente saudei seu Caveira, o tenente de Omulu.
Observei que os companheiros comigo estavam tensos, rosto de aspecto sisudo.
Respiração forte, coração quase saindo pela boca.
Visualizei uma entidade na primeira encruzilhada, e a identifiquei como sendo seu Sete Capa Preta, ali começava então o primeiro encontro com o objetivo.
Ele apenas sinalizou, pois seu Sete Catacumba e sua parceira estavam na outra ponta, no final da rua, a espera.
Senti que meu corpo começava a vibrar de maneira estranha e muito acelerado todo meu corpo, consciente, lúcido.
Segui até o local e a minha esquerda estava um pássaro de tamanho desproporcional para um animal normal.
Na esquina que nós estávamos, era uma encruzilhada fechada, com túmulos em toda a extensão na frente em sentido lateral e no lado oposto, a minha esquerda.
E súbito meu corpo tremeu. Vi uma grande bacia de cor escura, de um material leve, idêntico a plástico.
Visivelmente uma faca de dois gumes, portanto um punhal cortou a cabeça de um cachorro.
O animal deveria ter 2 a 4 anos, magro, pelo raso, cabeça e focinho compridos.
A cabeça dele caiu por cima de uma segunda bacia, e o corpo em convulsão na primeira bacia que pude no segundo plano perceber algo nela, talvez um pano, lenço.
Senti no meu corpo a mesma sensação da agonia do animal, que se misturava com gritos de uma mulher jovem.
Gargalhadas, choros e gritos que estava difícil de ser identificado o significado, mas com certeza eram gritos de sofrimento, de agonia.
As imagens se intercalavam no meu cérebro, junto com as sensações as vibrações grosseiras de medo, sofrimento, raiva.
Não conseguia entender bem de quem eram os gemidos e gritos de agonia, mas parecia estar associado com o material no fundo da bacia cujo sangue tingira de vermelho.
Senti forte pressão nos pulsos, provavelmente meus companheiros estejam me segurando.
Sinto meu corpo leve.
Um zumbindo muito forte entorpece minha mente.
É muito triste conviver com adeptos da religião que preferem deixar de dar a seu orixá um ebó simples, barato como agrado e gastam o salário que ganham e mais alguma coisa visando prejudicar um desafeto gratuito.
Claro que não acredito que seja uma briga gratuita, simplesmente. Nas noites antigas em que as almas se encontraram na imensidão só elas sabem o que ocorreu, e só elas tem o compromisso da cobrança e do recebimento.
A lei do carma e do efeito se fazem presente a todos.
Ninguém escapa.
A "Suza' esta enlouquecida. Desequilibrada ao último.
O marido conversa comigo palavras sem nexo, sem sentido algum, também impregnado pelo clima tenso, pesado do seu dia-a-dia com ela.
Sua morada no Bosque Silveira, é uma casa simples, média em tamanho, mas bem distribuída, com isso o conforto, e o aconchego era garantido.
Garante a comodidade, mas não o sossego.
Desde que Suza começou a "ratear" a situação do casal esta chegando as raias do desespero, não apenas para eles mas também e principalmente para os familiares mais próximos.
Próximos pela ligação sanguínea e também pela vivencia material pois os pais do marido moram ao lado.
O som dos tamborins esta alto, com certeza os deuses estão chegando não pelo prazer das rezas e pontos, mas de raiva pelo barulho.
A corrente formada, todos de preto e vermelho.
Não me agrada misturar exus, pombas giras, barás, guardiões e eguns tudo em uma gira só.
A vibração fica demasiadamente densa, e lógico que só tem uma serventia. O mal.E estava eu certo, pois estavam preparando um axé para criar atrito em um casal.
No alguidar já estava colocada a farofa de farinha de mandioca misturada com cachaça. Ao lado um copo de água mineral sem gás, um copo de cachaça e mel e outro com cachaça.
Derramaram o restante em um vasilha e quebraram a garrafa dentro do alguidar, sobre um tecido, ou peça de roupa. Com um socador amassaram sete pimentas unha de moça, os vidros amassaram e juntaram a farofa.
Acenderam sete velas pretas e uma branca, entregaram a Maria Padilha Do Cruzeiro Das Almas, que ali presente incorporada em um rapaz, gargalhava faceira por receber uma demanda para fazer.
Adiantou que queria sete frangas preta de presente quando o resultado fosse percebido pelos seus filhos de fé.
A preta "S' da Padilha entrou no cemitério as 17hs e 45 minutos.
No dia anterior havia dado a gorjeta para a menina do escritório e para o pedreiro chefe, para que ela pudesse atrasar sua saída, provavelmente por volta das 18hs e 30.
Acendeu velas no cruzeiros das almas... posso sentir o cheiro de sebo queimando acelerado pelo vento.
Dirigiu-se a um túmulo recente, depositou flores amarelas e resto de comidas em uma árvore próxima.
Em seguida foi até ...
Minha mão esta esticada de tal forma que o Adão embora mais forte que eu e mais alto não conseguia controlar, mas acredito que minha fisionomia tenha alterado para melhor, nesse momento, pois ele relaxou e senti menos ou quase nenhuma pressão nos punhos.Retirei de uma pequena abertura na gaveta antiga mas ainda com caixão dentro uma peça de roupa.
Uma calcinha manchada de suco de pimenta, dendê, farinha, e muito úmida, que embora não tenha detectado na hora poderia ser cachaça.
Quando segurei bem a peça de roupa, os gritos e gemidos chegaram a uma escala insuportável.
A mesma faca ou punhal que executou o primeiro sacrifício com o cachorro cortou a cabeça de um gato preto. Deixando o corpo junto com o do cachorro e colocou a cabeça junto com a cabeça do cachorro.
A cabeça do cachorro foi colocada de maneira ritual dentro de um alguidar com milho torrado, pipoca e vinte e um espinho grandes de laranjeira, enfeitando o alguidar.
A cabeça do gato teve retirada o cérebro e colocada ali um retrato que não reconheci e amarrado a cabeça com sete metros de fita de seda preta e quatro metros de fita roxa.
O corpo do cachorro e do gato foram colocados cada um em uma caixa de madeira.
Ainda quente estavam seus corpos.
O cachorro foi despachado nos trilhos ao lado do cemitério e o gato enterrado em um túmulo feito na hora, raso e coberto com a areia. Em cima da areia colocaram um ovo, semi enterrado e em cima do ovo acenderam uma vela lilás.
O griteiro da bicharada nas árvores foi violento.
As bruxas acordaram para dar seu amém.
Os gritos se misturavam com gemidos e gargalhadas frenéticas.
Não sei como pude identificar ou simplesmente ter a impressão nítida que uma das risadas era da Suza.
Ria de alegria.
Enquanto eu sentia que a "ex" do marido da Suza gemia segurando a cabeça e se contorcendo de dor.
Ao segurar mais forte a peça nas minhas mãos senti uma grande inversão de situação.
A Suza gemia desesperada pedindo perdão e colocando as mãos em uma posição de defesa, como se alguém estivesse querendo lhe pegar, agredir.
Retiramos a peça da gaveta e procurei ver se tinha algo mais.
Não encontrei.
Segui para o ylê onde já havia deixado preparado material para levar até a praia.
Iemanjá a mãe de todas as cabeças.Mesmo as cabeças duras, vingativas, ruins mesmo tem de Iemanja a certeza do perdão.
Mas tudo tem seu preço.
Iemanjá Dominaru aceitou arrumar a casa. E o fez de sua maneira.
Após oito dias as duas perderam o homem que queriam de maneira definitiva, pois ele conheceu uma enfermeira no período em que andou em andanças com elas no hospital, se apaixonou e seguiu caminho.
Não restou outra coisa para as duas a não ser a solidão e o sofrimento por bons anos.
Sei que a misericórdia divina vai atuar e amenizar o sofrimento delas, claro dependendo do grau de arrependimento, humildade e fraternidade existente.
Mas chegará o dia em que se depararão com a sua consciência no espelho da eternidade.Algoz vira vítima e vítima, bem... nem toda vítima é santinha... além do mais as entidades inferiores que se mobilizaram para agradar o ódio das duas estão presas no mal que cometeram.
Elas sim a moda corvo vão bicar as entranhas das duas.
Mas será que só as duas devem receber castigo para reajustar?
Dirigentes, pais e mães de santo: sejam vigilantes para não aumentarem a dívida alheia e a própria também.
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